A culpa que transforma: Melanie Klein e o sinal do amor que amadurece
- Ana Elisa Gonçalves Bortolin
- 28 de jul.
- 2 min de leitura
Em sua obra A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do ego, Melanie Klein afirma que “a capacidade de se sentir culpado e de reparar é um sinal de desenvolvimento emocional” (KLEIN, 1991). À primeira vista, essa frase pode parecer simples, mas revela uma das dimensões mais profundas da psicanálise kleiniana: o momento em que o sujeito começa a integrar amor e ódio, fragilidade e potência, dor e cuidado dentro da mesma relação.
Essa elaboração não ocorre sem sofrimento. É justamente na travessia da dor que se inicia o processo de amadurecimento afetivo. A criança que, em sua fantasia inconsciente, atacou o objeto amado nos momentos de frustração, passa a perceber que pode tê-lo ferido. Surge, então, uma culpa que não é moral, mas um sentimento de responsabilidade psíquica pelo vínculo.
Na teoria de Klein, esse movimento marca a transição da posição esquizoparanóide, onde os objetos são vivenciados de forma dividida (bom/mau), para a posição depressiva, onde há maior possibilidade de integração. O outro deixa de ser apenas aquele que satisfaz ou frustra, e passa a ser reconhecido como um ser inteiro, real, falho e, ainda assim, profundamente amado.
Na clínica, esse amadurecimento costuma surgir de forma silenciosa, mas carregado de densidade afetiva. O paciente, que antes se defendia culpando os outros ou justificando suas atitudes sem implicação subjetiva, começa a expressar uma dor diferente. Uma dor que não paralisa, mas convoca à transformação.
É nesse ponto que surge o desejo de reparar, mesmo que de forma simbólica. Frequentemente, o paciente escreve uma carta que nunca será enviada, faz uma ligação que há muito evitava ou simplesmente chora diante de algo que agora consegue ver com clareza. Ele se aproxima de suas próprias sombras com mais compaixão e menos rigidez.
Essa culpa transformadora não é patológica. É sinal de que o amor se tornou possível. É quando o sujeito deixa de ser refém de defesas primitivas, como a cisão, a idealização e a negação, e começa a construir um mundo interno mais realista, mais integrado e mais humano.
Nesse contexto, a clínica psicanalítica se torna um espaço sagrado de elaboração simbólica. O analista, ao sustentar a escuta e acolher o sofrimento do paciente sem julgamentos, oferece o continente necessário para que essa culpa se torne fecunda. Como escreveu Winnicott, é na presença de um outro suficientemente bom que o ego pode suportar sua própria verdade.
Não se trata de consertar o passado, mas de reconstruir internamente os vínculos que sustentam nossa capacidade de amar, cuidar e permanecer em relação, mesmo diante da dor.
📚 Referência bibliográfica:
KLEIN, Melanie. A importância da formação de símbolos no desenvolvimento do ego. In: O desenvolvimento precoce da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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