Gosto de uma coisa que odeio: a ambivalência afetiva na psicanálise
- Ana Elisa Gonçalves Bortolin
- 10 de set.
- 2 min de leitura
Você já se pegou gostando de algo que, ao mesmo tempo, provoca rejeição? Ou sentindo amor e raiva pela mesma pessoa? Essa experiência, que parece contraditória, é conhecida em psicanálise como ambivalência afetiva.
Freud e a coexistência de amor e ódio
Sigmund Freud (1915) mostrou que amor e ódio não são forças isoladas. Pelo contrário, podem coexistir em relação ao mesmo objeto. Isso significa que alguém pode amar profundamente uma pessoa e, ao mesmo tempo, odiá-la em certas circunstâncias. Essa tensão não é um defeito humano, mas parte da complexidade da vida psíquica.
Melanie Klein e a experiência infantil
Melanie Klein (1946) observou que essa ambivalência já aparece na infância. O bebê ama o seio materno que o alimenta, mas o odeia quando não encontra nele a satisfação imediata. Essa experiência primitiva deixa marcas profundas, estruturando a forma como, na vida adulta, lidamos com apego, frustração e dependência. Relações amorosas, familiares ou de amizade carregam sempre esse traço: podemos nutrir ternura e ressentimento ao mesmo tempo.
Lacan e o paradoxo do gozo
Jacques Lacan (1964) amplia a discussão ao introduzir o conceito de gozo. Trata-se de uma satisfação paradoxal, que pode estar presente até naquilo que causa dor. É por isso que tantas vezes nos vemos presos a situações ou pessoas que nos fazem sofrer, mas das quais extraímos, de maneira inconsciente, certo prazer. Essa é uma chave importante para entender vínculos aparentemente “sem lógica” que mantemos ao longo da vida.
O papel da psicanálise
A psicanálise não busca eliminar a contradição, como se fosse possível viver apenas no amor sem nenhum traço de ódio, ou apenas na satisfação sem frustração. O que se propõe é criar um espaço em que o sujeito possa reconhecer e simbolizar seus sentimentos ambivalentes, transformando o paradoxo em palavra. No processo analítico, a pessoa descobre novas formas de lidar com seu desejo, sem precisar negar ou esconder a complexidade do que sente.
Em vez de procurar uma vida sem contradições, a psicanálise nos convida a habitar a ambivalência com mais consciência e liberdade. Afinal, é nesse jogo de forças que se constrói a singularidade de cada um.
Referências 📚
FREUD, Sigmund. As pulsões e suas vicissitudes (1915). In: FREUD, Sigmund. Obras completas, v. 12. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
KLEIN, Melanie. Notas sobre alguns mecanismos esquizóides (1946). In: KLEIN, Melanie. Inveja e gratidão e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Zahar, 1985.




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