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A psicanálise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que devemos evitar

  • Foto do escritor: Ana Elisa Gonçalves Bortolin
    Ana Elisa Gonçalves Bortolin
  • 2 de set.
  • 3 min de leitura

A frase atribuída a Freud, “A psicanálise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que devemos evitar”, revela uma dimensão essencial do processo analítico. Ao contrário do que muitos pensam, a psicanálise não tem como objetivo fazer com que o sujeito aguente todas as dores em silêncio. Ela existe para ampliar a consciência, possibilitar escolhas mais saudáveis e libertar o paciente de padrões repetitivos que perpetuam sofrimento.



O peso de suportar tudo



Desde cedo, muitos de nós aprendemos a “aguentar firme”. Em famílias marcadas por negligência ou violência emocional, a criança, para sobreviver, cria defesas psíquicas que a fazem suportar situações insuportáveis. Freud, em “Recordar, repetir e elaborar” (1914), mostrou que essa experiência pode se repetir na vida adulta por meio da compulsão à repetição: uma tendência inconsciente de reviver situações traumáticas na esperança de elaborá-las.


A psicanálise, então, ajuda o sujeito a reconhecer o que é inevitável enfrentar na vida e o que não precisa ser repetido. Esse discernimento é fundamental para interromper ciclos destrutivos e construir relações mais saudáveis.



O papel do supereu e do ambiente



Em “O ego e o id” (1923), Freud apresentou o supereu como uma instância que regula normas e valores, mas que pode se tornar extremamente punitiva. Muitas pessoas, sob a influência desse supereu severo, acreditam que suportar dor é sinal de força, quando na verdade pode ser apenas uma forma de autopunição.


Winnicott reforça essa visão ao mostrar que um ambiente suficientemente bom é essencial para o desenvolvimento emocional. Ambientes hostis, quando internalizados, tornam-se modelos inconscientes de relação, levando o indivíduo a normalizar abusos. Bion acrescenta que o crescimento emocional não ocorre pelo simples ato de suportar, mas pela capacidade de pensar sobre o que sentimos. Para isso, é preciso um espaço de escuta onde os sentimentos sejam nomeados e elaborados.



O papel da psicanálise



A psicanálise não busca apenas interpretar sintomas; ela oferece ao sujeito a possibilidade de se apropriar da própria história. Em análise, o paciente aprende a reconhecer os efeitos do passado em sua vida atual, identifica repetições inconscientes e compreende que não precisa viver aprisionado ao que o adoece.


O processo analítico é também uma forma de cuidado: é um lugar seguro onde o sofrimento pode ser acolhido e entendido. O analista, ao sustentar esse espaço, permite que o paciente experimente uma nova forma de relação, diferente das experiências traumáticas que marcaram sua história. Isso cria um ambiente em que suportar não significa se violentar, mas elaborar, transformar e proteger-se.



Na prática clínica



Imagine uma pessoa que cresceu em uma casa onde nunca foi ouvida. Essa pessoa pode ter dificuldade em estabelecer limites na vida adulta e se envolver em relações abusivas sem perceber. Em análise, essas experiências vêm à tona. A repetição de padrões passa a ser compreendida, e a pessoa descobre que não precisa mais suportar o que antes parecia “normal”.


O analista, inspirado em Bion, funciona como um “continente” para as angústias do paciente, ajudando-o a pensar em vez de apenas reagir. A clínica psicanalítica é um espaço para que o paciente possa se fortalecer, aprender a identificar situações que causam sofrimento e se afastar delas com segurança.



Conclusão



A psicanálise é um convite à transformação. Ela não ensina apenas a resistir, mas a diferenciar, a dizer não ao que destrói e a dizer sim ao que promove vida. Esse processo exige coragem e compromisso com o autoconhecimento, mas o resultado é uma vida mais leve, autêntica e saudável.





Referências



  • BION, Wilfred R. Aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

  • FREUD, Sigmund. Recordar, repetir e elaborar (1914). In: FREUD, Sigmund. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

  • FREUD, Sigmund. O ego e o id (1923). In: FREUD, Sigmund. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 19. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

  • WINNICOTT, Donald W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.


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