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Nada é tão difícil para o homem quanto abdicar de um prazer que já experimentou

  • Foto do escritor: Ana Elisa Gonçalves Bortolin
    Ana Elisa Gonçalves Bortolin
  • 16 de jul.
  • 3 min de leitura

Sigmund Freud, pai da psicanálise, nos deixou essa frase que, embora pareça simples, carrega um profundo conhecimento sobre o funcionamento do inconsciente humano:


“Nada é tão difícil para o homem quanto abdicar de um prazer que já experimentou.”


Mas o que Freud quis dizer com isso? E por que essa afirmação é tão importante para compreender o sofrimento psíquico?



O que está por trás do “prazer”?



Na teoria freudiana, o prazer não é apenas aquilo que sentimos conscientemente como bom, agradável ou desejável. O prazer pode vir também da repetição de comportamentos que, apesar de causarem dor ou prejuízo, estão ligados a algum tipo de satisfação inconsciente. Freud chamava isso de princípio do prazer, uma força que impulsiona o sujeito a buscar a descarga de tensões psíquicas, mesmo que de forma disfuncional.


Por isso, um sujeito pode voltar a um relacionamento abusivo, repetir padrões destrutivos ou manter vícios, mesmo quando já compreende racionalmente que aquilo lhe faz mal. Porque, em algum nível, aquilo foi fonte de prazer, mesmo que distorcido.



Exemplo clínico: repetição e resistência



Um exemplo comum na clínica é o paciente que insiste em manter relações amorosas com parceiros que o rejeitam ou humilham. Mesmo após sucessivas frustrações, ele volta ao mesmo tipo de vínculo. Quando questionado, diz não entender por que age assim.


Do ponto de vista psicanalítico, ele está preso a um prazer inconsciente: a repetição de uma cena afetiva da infância, muitas vezes relacionada à tentativa de agradar um pai ou mãe emocionalmente inacessível. Abdicar desse prazer é, portanto, abdicar também da fantasia de que um dia será finalmente amado como deseja.



Por que é tão difícil abrir mão do prazer?



Freud nos mostra que o inconsciente é teimoso. Ele insiste, repete, retorna. Isso acontece porque o sujeito não tem acesso direto ao conteúdo inconsciente. Mesmo que o discurso racional diga “isso não me faz bem”, o desejo inconsciente continua atuando.


Essa é uma das razões pelas quais o processo analítico exige tempo, escuta e elaboração. Não se trata apenas de convencer o paciente a mudar de comportamento, mas de ajudá-lo a perceber de onde vem sua repetição e o que está em jogo emocionalmente na manutenção daquele “prazer”.



Manejo clínico na prática



No setting analítico, é comum o paciente relatar culpa por não conseguir abandonar certos hábitos: fumar, comer compulsivamente, se autossabotar no trabalho, manter laços tóxicos.


O analista não julga, nem tenta cortar imediatamente o sintoma. O manejo clínico aqui é escutar sem condenar, interpretando gradualmente o sentido daquela repetição, até que o sujeito possa, por si mesmo, abrir mão do gozo que ali se sustentava.


Um bom exemplo de intervenção é perguntar, com cuidado:

“O que você sente quando pensa em abrir mão disso?”

Essa pergunta pode abrir espaço para o paciente falar do medo do vazio, da solidão, da culpa, e até mesmo da sensação de não saber quem seria sem aquele comportamento.



Conclusão



Abdicar de um prazer já experimentado é difícil porque, na psicanálise, o prazer nem sempre é consciente ou saudável. Ele pode estar atrelado a traumas, feridas e repetições. Freud nos ensina que o trabalho analítico não é o de “mudar o outro”, mas de ajudá-lo a reconhecer as raízes do seu desejo para, quem sabe, poder escolher diferente.





Referências bibliográficas



FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930). In: FREUD, S. Obras completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. v. 18.


FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer (1920). In: FREUD, S. Obras completas. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. v. 14.


RIBEIRO, Vladimir Safatle. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

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