Nem sempre é procrastinação….
- Ana Elisa Gonçalves Bortolin
- 10 de jul.
- 3 min de leitura
Nem sempre é procrastinação… Às vezes, é só o seu corpo pedindo socorro
Vivemos em uma sociedade que exige desempenho o tempo todo. Alta produtividade, foco constante, metas ambiciosas — e, de preferência, com um sorriso no rosto. Quando não conseguimos acompanhar esse ritmo, surge rapidamente um rótulo: “Você está procrastinando.”
Mas… será que é sempre assim?
Será que adiar uma tarefa é sinônimo de preguiça ou desorganização?
Ou será que, em muitos casos, é um sinal legítimo de cansaço psíquico e físico?
A psicanálise nos ajuda a olhar para essa questão com mais profundidade, escutando os significados por trás daquilo que a cultura do desempenho tenta ignorar.
🔍 O que é procrastinação sob o olhar psicanalítico?
Na psicanálise, a procrastinação pode ser entendida como um ato de resistência inconsciente. O sujeito adia, evita ou paralisa não porque “não quer fazer”, mas porque a tarefa em questão mobiliza algo emocionalmente complexo, doloroso ou conflitante.
Essa paralisação pode envolver:
Medo de errar ou falhar (ligado à crítica internalizada)
Perfeccionismo inconsciente (como defesa contra o sentimento de inadequação)
Experiências traumáticas relacionadas à cobrança
Ambivalência entre desejar e temer o sucesso
Ou seja, o sujeito quer e não quer ao mesmo tempo.
Deseja fazer, mas inconscientemente teme as consequências de realizar — sejam elas externas (rejeição, cobrança) ou internas (romper com uma imagem de si).
📖 Freud já nos alertava:
“O ego não é senhor em sua própria casa.”
(FREUD, 1914)
💡 Quando não é psíquico: é só cansaço
No entanto, nem toda procrastinação tem origem no inconsciente.
Muitas vezes, não se trata de resistência, nem trauma, nem desejo recalcado.
É apenas um corpo que não aguenta mais.
E aqui entramos em outra camada do problema: a exaustão gerada por uma cultura que exige produtividade total o tempo todo.
A pessoa que vive em constante estado de alerta, cobrança e autocontrole pode chegar a um ponto de colapso, onde adiar tarefas não é escolha — é sobrevivência.
📖 Como disse Winnicott:
“É preciso um ambiente suficientemente bom para que o indivíduo possa ser.”
(WINNICOTT, 1975)
Ambientes que exigem 100% o tempo todo não permitem o ser — apenas o fazer. E fazer sem pausa adoece.
🧠 A lógica da sociedade do cansaço
O filósofo coreano-alemão Byung-Chul Han, em sua análise da vida contemporânea, aponta que o sujeito moderno se explora a si mesmo. Ele é patrão e funcionário ao mesmo tempo. Cobra de si, se culpa, se compara.
E o resultado? Um sujeito cansado, ansioso, deprimido… e ainda se achando culpado por isso.
📖 Ele afirma:
“Hoje o sujeito se explora e se cobra por prazer — e isso é mais eficiente do que qualquer opressor.”
(HAN, 2015)
A procrastinação, nesse contexto, pode ser o grito silencioso de um corpo que não suporta mais tanto autoabandono.
🌿 Nem todo atraso é um problema
Por isso, antes de se julgar por adiar uma tarefa, vale perguntar com honestidade:
“Estou procrastinando… ou estou esgotado?”
“Esse adiamento vem do medo ou do excesso?”
“Meu corpo está resistindo… ou implorando por descanso?”
Nem toda procrastinação é preguiça.
Nem toda paralisação é fuga.
Nem todo atraso é desleixo.
Às vezes, é só um pedido do corpo:
👉 “Me respeite. Estou cansado.”
📚 Referências bibliográficas
FREUD, Sigmund. História do movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916). In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
WINNICOTT, Donald W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.
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