Quando não há saída, seguir é o que resta: o valor psíquico de continuar
- Ana Elisa Gonçalves Bortolin
- 30 de jul.
- 3 min de leitura

“When there’s no way out, you just follow the way in front of you.”
“Quando não há saída, você apenas segue o caminho à sua frente.”
— Stephen A. Mitchell
Existem momentos em que a vida parece suspensa. Quando tudo o que antes fazia sentido já não move mais. Quando o desejo se cala, as soluções se esgotam e a dor ocupa todos os espaços. É nesses instantes que a frase de Stephen A. Mitchell encontra seu lugar: quando não há saída visível, ainda é possível continuar. Seguir não como fuga, mas como permanência.
Mitchell, um dos principais nomes da psicanálise relacional, dedicou grande parte de sua obra à ideia de que o processo analítico não gira em torno de interpretações rápidas ou respostas prontas. Em sua obra Hope and Dread in Psychoanalysis (1993), ele propõe que a esperança nasce da própria travessia da angústia. Não se trata de escapar do sofrimento, mas de construir um espaço relacional onde o sujeito possa ser sustentado, mesmo em sua dor.
Na clínica, esse pensamento é vivido de forma muito concreta. Há pacientes que chegam dizendo: “Já tentei de tudo. Não vejo saída.” Nesse ponto, o trabalho analítico não é apontar uma direção ou oferecer soluções. É, antes, criar um ambiente onde seja possível continuar sendo. Falar, escutar, lembrar, suportar. Como nos ensinou Bion, a função do analista é conter e transformar experiências emocionais brutas em algo que possa ser pensado. E, como nos lembra Winnicott, é na presença confiável de um outro que o sujeito se reorganiza.
Freud, ao refletir sobre a compulsão à repetição em Além do princípio do prazer (1920), nos mostra que a psique, muitas vezes, insiste em retornar ao mesmo lugar, como se algo ainda precisasse ser simbolizado. E é justamente aí que reside a potência do processo analítico: na repetição, na escuta paciente, no sustento do não saber. Porque, muitas vezes, seguir não significa entender. Significa apenas não interromper o movimento.
Lacan contribui com essa ideia ao afirmar que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. Isso nos ensina que é falando que o sujeito se constitui. Mesmo quando diz que está perdido, que não sente mais nada, ainda assim há um sujeito desejante tentando se localizar. E cada palavra dita, por mais caótica que pareça, é um passo.
Mitchell não fala de uma saída mágica. Ele fala do valor de continuar mesmo quando tudo parece estagnado. E continuar, nesse contexto, é um ato de resistência. De confiança no processo. De esperança na escuta.
Na prática clínica, isso pode ser visto no relato de uma paciente que diz: “Não sinto mais vontade de nada. Estou paralisada.” O analista não pressiona, não interpreta prematuramente, não tenta forçar um recomeço. Ele escuta. Ele está. Ele sustenta. Aos poucos, ela encontra palavras. Lembra de cenas da infância. Percebe repetições. Dá nome ao que antes era apenas peso. E o caminho, que antes parecia inexistente, começa a surgir no ato de continuar falando.
Em psicanálise, caminhar não exige ter um destino claro. Exige apenas estar disposto a continuar existindo como sujeito, mesmo sem garantias. Porque o processo não é uma estrada reta. É uma travessia feita de retornos, pausas, silêncios e encontros. E, muitas vezes, é justamente nesse percurso incerto que a vida reencontra sentido.
Referências bibliográficas
MITCHELL, Stephen A. Hope and Dread in Psychoanalysis. New York: Basic Books, 1993.
FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer. In: FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
BION, Wilfred. Aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
WINNICOTT, Donald W. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.
LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
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