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Quando o desejo é flagrado: o que o caso do CEO no show do Coldplay revela sobre todos nós

  • Foto do escritor: Ana Elisa Gonçalves Bortolin
    Ana Elisa Gonçalves Bortolin
  • 19 de jul.
  • 3 min de leitura

Uma reflexão psicanalítica sobre vergonha, exposição e o que o inconsciente insiste em mostrar


O vídeo viralizou rapidamente. Em meio ao show do Coldplay, a câmera do telão foca em um casal. O homem abaixa a cabeça. A mulher tenta esconder o rosto. A plateia percebe o desconforto. O vocalista da banda, Chris Martin, brinca para aliviar a tensão. Mas a imagem já havia capturado o que havia de mais íntimo: uma cena de desejo flagrado.


Logo, a internet descobriu que se tratava de um CEO de uma empresa bilionária ao lado de uma diretora de recursos humanos da mesma companhia, ambos supostamente casados com outras pessoas. Em poucas horas, o constrangimento privado se tornou escândalo público. Mas por que, afinal, esse episódio causou tanta repercussão?


A resposta, para a psicanálise, não está apenas no casal. Está em todos nós.


A cena que nos atravessa


Não foi apenas o casal que ficou exposto. Foi o desejo. O desejo que habita em silêncio, que muitas vezes não pode ser nomeado, que vive nos bastidores da vida pública. A câmera, como um olhar do Outro, não filmou apenas um momento íntimo. Ela tocou no ponto sensível de todos nós: a possibilidade de sermos vistos em nossa verdade mais crua e não autorizada.


Na psicanálise, chamamos isso de cena traumática. Não porque há dor física, mas porque algo que deveria permanecer recalcado, oculto ou protegido, retorna à superfície sem filtro simbólico.


Vergonha, desejo e o olhar do Outro


O que causa a vergonha não é o que fazemos, mas o olhar que nos captura fazendo. Quando o desejo é surpreendido, algo se desorganiza. O sujeito, antes no controle, se vê dividido entre o que é socialmente aceito e o que pulsa fora do script.


Nesse caso, o CEO representava o sucesso, a estabilidade, a imagem perfeita. E, num segundo, essa imagem foi rasgada diante de milhares de pessoas. O público reagiu com risos, comentários, julgamentos e até um certo prazer em assistir ao outro cair.


Esse prazer é importante de ser nomeado. Ele mostra como a sociedade contemporânea, especialmente nas redes sociais, se alimenta da exposição do outro. Vivemos cobrando perfeição, mas nos deliciamos com o deslize alheio.


Não é só sobre ele. É sobre nós


A comoção gerada por essa cena não acontece à toa. Ela nos revela algo profundo: todos temos algo que preferiríamos não ver exposto. Todos temos desejos que escondemos, conflitos que silenciamos, escolhas que talvez não caberiam diante do olhar dos outros.


Na psicanálise, sabemos que o sujeito é dividido. Ele é feito de contradições, de partes conscientes e inconscientes. Por isso, nem tudo o que fazemos é totalmente voluntário ou controlado. Às vezes, o inconsciente monta uma cena. E quando ela acontece no real, o impacto é imenso.


Quando o simbólico falha, o real retorna


Como disse Jacques Lacan:

“O que é recusado no nível do simbólico, reaparece no real.”

(LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.)


Ou seja, aquilo que o sujeito não consegue simbolizar, pensar, elaborar internamente, volta como ato, como cena, como constrangimento. Muitas vezes, o que não é dito com palavras acaba sendo encenado, mesmo que isso cause dor, vergonha ou consequências graves.


A escuta como alternativa ao julgamento


Enquanto as redes sociais julgam, cancelam ou fazem piada, a psicanálise propõe algo radicalmente diferente: escutar. Escutar o que esse gesto revelou. Escutar o que essa vergonha carrega. Escutar o sujeito por trás da cena.


A análise não está interessada em condenar comportamentos. Ela se interessa por entender o que move, o que se repete, o que retorna — mesmo quando não se quer.


Conclusão


O caso do CEO flagrado no show do Coldplay tocou tanta gente porque não é apenas uma fofoca. É uma cena que nos espelha. Ela mostra que, por trás das aparências, todos temos uma parte que não suportaria ser vista. E mostra, sobretudo, que o desejo não desaparece só porque tentamos escondê-lo.


A psicanálise não romantiza nem moraliza. Ela convida a compreender. Porque, muitas vezes, o inconsciente só quer ser ouvido, mesmo que precise montar uma cena para isso.

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