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“Quanto de você existe naquilo que você odeia?” — O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?

  • Foto do escritor: Ana Elisa Gonçalves Bortolin
    Ana Elisa Gonçalves Bortolin
  • 17 de jul.
  • 3 min de leitura

Essa frase, amplamente atribuída a Sigmund Freud, não aparece literalmente em seus textos. No entanto, ela expressa com precisão um dos conceitos mais potentes da psicanálise: o mecanismo de projeção.


Você já se pegou odiando alguém com uma intensidade que parecia exagerada? Ou se incomodando profundamente com comportamentos que, racionalmente, não deveriam te afetar tanto? Pois é. A psicanálise nos convida a olhar mais de perto essas reações.





🧠 O que é projeção na psicanálise?



A projeção é um mecanismo de defesa, descrito por Freud, em que o sujeito atribui ao outro sentimentos, desejos ou aspectos que ele próprio não aceita em si.

Em O ego e o id (1923), Freud explica que, quando o ego encontra algo intolerável dentro de si, ele busca expulsar esse conteúdo, lançando-o no mundo externo.


É como se dissesse, inconscientemente: “Isso não é meu… é do outro.”


Essa operação não é consciente. O sujeito acredita sinceramente que aquele traço pertence ao outro, sem perceber que aquilo pode ser justamente o que ele recalca ou rejeita em si mesmo.





😠 Por que odiamos com tanta força?



Quanto mais algo é inaceitável internamente, mais forte tende a ser a reação quando o encontramos fora.


Por exemplo:


  • Quem odeia “gente arrogante” pode estar tentando se proteger de sua própria vaidade reprimida.

  • Quem se irrita com a “fragilidade alheia” pode estar fugindo do próprio medo de ser vulnerável.

  • Quem rejeita intensamente o erro dos outros pode ter intolerância às próprias falhas inconscientes.



É como se o sujeito olhasse para fora, mas estivesse enxergando um espelho. Um espelho desconfortável.





📍 Freud e o mal-estar na civilização



Em O mal-estar na civilização (1930), Freud já antecipava que o convívio humano exige renúncias. Para viver em sociedade, somos obrigados a recalcar impulsos, instintos e traços de nossa subjetividade.


Quando não damos conta de integrar essas partes de nós, a mente lança mão de defesas. Uma delas é a projeção: transferir para o outro o que é nosso, mas é insuportável reconhecer.


É assim que nasce o ódio gratuito, a intolerância exagerada, o julgamento que fere mais do que explica. E tudo isso tem raiz no inconsciente.





👂 Na clínica: quando o outro é sintoma



Em muitos atendimentos psicanalíticos, escutamos frases como:


“Eu simplesmente não suporto aquele tipo de gente.”

“Aquilo me dá nojo.”

“Não entendo como alguém consegue ser assim.”


Nessas falas, o analista não interpreta de imediato. Mas escuta o que se repete. Escuta o afeto. Escuta o que está sendo negado com tanta força.


Com o tempo, o sujeito pode começar a perceber que aquele ódio tão intenso fala mais sobre ele do que sobre o outro.





✨ Reflexão final: o outro como espelho



A frase “Quanto de você existe naquilo que você odeia?” é, acima de tudo, uma provocação clínica. Ela não busca culpar. Ela convida à escuta de si.


Na psicanálise, não há julgamento, mas investigação. Se algo te incomoda profundamente, talvez valha a pena perguntar:

“O que isso toca em mim?”

“O que há aqui que me pertence?”


O desconforto pode ser o primeiro passo para a descoberta.





📚 Referências bibliográficas



FREUD, Sigmund. O ego e o id (1923). In: FREUD, S. Obras completas. v. 16. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.


FREUD, Sigmund. Psicopatologia da vida cotidiana (1901). In: FREUD, S. Obras completas. v. 6. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930). In: FREUD, S. Obras completas. v. 18. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.


LAPLANCHE, Jean; PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

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