Vai ter lugares que, pra você crescer, você vai ter que sair
- Ana Elisa Gonçalves Bortolin
- 14 de jul.
- 2 min de leitura
Nem todo lugar em que nos sentimos “seguros” é, de fato, saudável.
E nem sempre permanecer é sinônimo de força. Às vezes, é medo.
Medo de romper, de frustrar expectativas, de se perceber sozinho…
Mas também medo de crescer.
Na psicanálise, compreendemos que o sujeito pode permanecer em determinados vínculos ou contextos não porque são bons — mas porque são familiares. Há algo ali que ecoa afetos antigos, padrões infantis, dores mal elaboradas. E isso pode gerar uma repetição inconsciente, onde se revive, sem perceber, os mesmos enredos de sofrimento.
Como já dizia Freud:
“O que o paciente repete é o passado não lembrado.”
(Freud, 1914/1996, p. 199)
Essa permanência pode se manifestar na vida adulta como a insistência em relações abusivas, em ambientes de trabalho desumanos ou até na dificuldade de deixar para trás papéis que já não fazem mais sentido. Permanecer pode ser uma forma de tentar consertar no presente algo que feriu no passado — e, muitas vezes, de forma inconsciente.
A culpa de sair
Um dos maiores empecilhos à mudança é a culpa.
A culpa por decepcionar. A culpa por deixar alguém para trás. A culpa por parecer egoísta. Mas será que é mesmo egoísmo sair de um lugar que te adoece?
É preciso se perguntar:
O que ainda me prende a esse lugar?
Estou tentando proteger alguém… ou continuar sendo aceito?
O que eu temo perder se decidir crescer?
Como bem nos ensinou Lacan:
“O desejo do homem é o desejo do Outro.”
(Lacan, 1958/1998, p. 688)
Isso significa que, muitas vezes, desejamos o que o Outro deseja de nós. Permanecemos onde esperam que fiquemos. Amamos, trabalhamos, resistimos… em nome de um desejo que não é genuinamente nosso, mas que nos dá uma ilusão de pertencimento.
Quando sair é palavra
Françoise Dolto nos oferece uma perspectiva poderosa sobre o processo analítico:
“A tarefa de uma boa análise é fazer o paciente encontrar palavras para substituir os atos.”
(Dolto, 1992, p. 63)
Sair, nesse sentido, é uma palavra. É uma escolha simbólica.
É dizer: “basta”. É escolher escrever uma nova narrativa para a própria vida.
Sair pode ser um ato de amor-próprio.
De maturidade.
De compromisso com aquilo que você ainda pode se tornar.
Em tempo…
Você já precisou sair de um lugar para finalmente começar a crescer?
O que foi mais difícil nesse processo: a decisão ou a culpa?
A psicanálise não traz respostas prontas. Mas traz perguntas que desconstroem.
Porque, às vezes, é preciso se retirar… para poder se encontrar.
Referências:
FREUD, Sigmund. Recordar, repetir e elaborar (1914). In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
LACAN, Jacques. O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
DOLTO, Françoise. A causa das crianças. São Paulo: Martins Fontes, 1992.




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