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Você Está Repetindo ou Escolhendo? O Que Freud Nos Ensina Sobre Mudança

  • Foto do escritor: Ana Elisa Gonçalves Bortolin
    Ana Elisa Gonçalves Bortolin
  • 4 de ago.
  • 3 min de leitura

Quando continuar adoece: Freud e a coragem de abandonar o caminho



“É necessário que estejamos prontos a abandonar um caminho que seguimos durante algum tempo, a partir do momento em que percebemos que ele não pode conduzir a nada de bom.”

Sigmund Freud


Essa frase, atribuída a Freud, costuma circular nas redes como um convite à mudança. No entanto, para a psicanálise, ela toca algo mais profundo: a constatação de que nem todo caminho seguido pelo sujeito é uma escolha consciente. Muitas vezes, trata-se de uma repetição inconsciente que escapa à vontade.



Repetição não é escolha, é sintoma



Freud, especialmente na obra Além do princípio do prazer (1920), apresenta o conceito de compulsão à repetição. Trata-se de uma força psíquica que leva o sujeito a reviver situações ligadas a experiências não simbolizadas. Em outras palavras, ele repete o que não pôde elaborar. Esse retorno não é guiado pela razão, mas pelo inconsciente.


Manter-se em relações adoecidas, insistir em vínculos que machucam, repetir padrões afetivos ou escolhas profissionais destrutivas não é, necessariamente, uma falha de caráter. Muitas vezes, é expressão de uma dor psíquica que não encontrou linguagem. O sujeito se vê preso em caminhos que não escolheu, mas que, de algum modo, parecem familiares. A repetição, então, funciona como tentativa de resolver o que não pôde ser resolvido na origem.



O abandono como efeito de elaboração



A mudança verdadeira não nasce da força de vontade, mas da elaboração psíquica. Quando Freud fala em abandonar um caminho, ele não sugere um gesto consciente e imediato. Ele aponta para o resultado de um processo que só pode acontecer no tempo da escuta e da simbolização.


Na análise, esse momento ocorre quando o paciente passa a perceber que o sofrimento que se repete tem um sentido. Quando se dá conta de que o que parecia destino era, na verdade, repetição. A partir disso, não é raro que o sujeito diga: “Não quero mais isso para mim.” Mas essa frase não vem do superego moralizante. Ela emerge de um lugar mais profundo: o do desejo que pôde ser resgatado do recalque.


Winnicott nos lembra que a mudança verdadeira só acontece em um ambiente suficientemente bom, onde o sujeito se sinta autorizado a existir. Bion acrescenta que, para pensar, é preciso suportar a ausência de respostas prontas. Só assim algo novo pode ser criado.



A escuta que sustenta o recomeço



Na clínica, o analista não orienta decisões. Ele sustenta a escuta, o silêncio, o tempo do inconsciente. É esse espaço que permite que o sujeito se desloque da posição de vítima da repetição para a possibilidade de autor da própria travessia.


Abandonar um caminho, nesse contexto, não é romper por impulso, mas reconhecer que a permanência já não serve à vida. É atravessar o luto daquilo que se desejou um dia, mas que hoje só reproduz ausência, dor ou estagnação.



Conclusão



Freud não romantiza o recomeço. Ele fala da importância de reconhecer quando um caminho não leva a lugar algum, mesmo que tenha sido necessário em outro momento. O abandono, nesse sentido, não é desistência. É efeito de um deslocamento interno que só acontece quando o sujeito pode se escutar.


A análise não impõe novos rumos. Ela oferece um espaço onde o sujeito pode, pouco a pouco, deixar de repetir o que um dia foi sua única forma de sobreviver.



Referências



FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável. In: FREUD, Sigmund. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 23. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

WINNICOTT, Donald W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

BION, Wilfred. Atenção e interpretação. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

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